Morto em 2013, o líder sul-africano Nelson Mandela segue até hoje como uma grande referência de líder político. Seu período na presidência de seu país, entre 1994 e 1999, é considerado um marco, pois decretou o fim do regime de apartheid, que separava legalmente as pessoas brancas e as negras.
A eleição que o levou ao poder ocorreu em 27 de abril de 1994 e Mandela assumiu a presidência há exatos 30 anos, em 10 de maio do mesmo ano. Três décadas depois, vale a pena refletir sobre como está o país após a abolição do projeto segregacionista que existia na África do Sul.
Manifestação de boicote ao Apartheid. (Fonte: Getty Images / Reprodução)
O apartheid foi um sistema político estabelecido na África do Sul e que foi vigente entre os anos de 1948 e 1994. Era sustentado por um partido de extrema direita que promulgou uma legislação segregacionista, que promovia privilégios para a parcela branca da população.
Extremamente impopular, o regime só se sustentou por décadas por conta da censura e do uso da violência por parte do governo. Mas movimentos de resistência a ele sempre existiram, e um de seus principais líderes foi Nelson Mandela.
Nascido em 1918, Mandela ingressou em 1939 no curso de Direito da Universidade de Fort Hare, a primeira Universidade da África do Sul a ministrar cursos para negros. Entretanto, por se envolver com o movimento estudantil em protestos contra a falta de democracia racial, ele foi obrigado a abandonar o curso.
Foi então que se mudou para Joanesburgo, onde se engajou cada vez mais na luta contra o apartheid. Em 1944, ao lado de Walter Sisulo e Oliver Tambo, Mandela fundou a “Liga Jovem do Congresso Nacional Africano (CNA)”, que logo se tornaria o principal instrumento de representação política dos negros.
Ao longo de sua vida, Nelson Mandela foi acusado de vários crimes, como o de conspiração. Em 1964, foi condenado à prisão perpétua – no total, ele permaneceria 27 anos preso na Ilha de Robben. Mas a crítica internacional ao apartheid só aumentava e, em 11 de fevereiro de 1990, o presidente da África do Sul, Frederik de Klerk, finalmente libertou Mandela.
Nelson Mandela priorizou a reconciliação do seu país. (Fonte: Getty Images / Reprodução)
Em abril de 1994, ocorreram as primeiras eleições multirraciais no país, e Nelson Mandela foi eleito democraticamente. Estava estabelecido finalmente o fim do apartheid. Mas isso não significou, claro, mudanças imediatas.
Durante o seu período na presidência, o governo de Mandela conseguiu aprovar muitas leis a favor da população negra. Em 1995, foi estabelecida a Comissão de Verdade e Reconciliação, com o intuito de analisar as violações de direitos humanos cometidas durante o apartheid.
Embora o clima fosse, por muito tempo, de sensação de injustiça e desejo de vingança, Nelson Mandela preferiu espalhar o sentimento de conciliação nacional. Em 2006, ele foi premiado pela Anistia Internacional por sua luta em favor dos direitos humanos. Mas antes disso, em 1993, ele foi agraciado com o prêmio Nobel da Paz.
Três décadas após o fim do apartheid, a África do Sul segue enfrentando crises. (Fonte: Getty Images/ Reprodução)
Trinta anos depois do seu fim, há muitos pesquisadores que discutem sobre quais foram as consequências do encerramento do regime segregacionista e qual foi o legado deixado por Nelson Mandela. De acordo com Thula Simpson, historiador do apartheid na Universidade de Pretória, o sistema político teria chegado ao fim por razões obscuras.
“Não houve nada de benevolente ou voluntário na retirada do governo branco. Foi porque havia uma crítica interna ao apartheid e as pessoas basicamente diziam: 'Para manter a supremacia branca, é preciso manter a sobrevivência branca'", explicou à Al Jazeera.
Ou seja, o apartheid foi encerrado por pressão política, causada inclusive pela resistência dos sul-africanos negros. A África do Sul estava ficando cada vez mais isolada por conta das crescentes sanções econômicas, o que envolvia, por exemplo, o fim do comércio com a Jamaica e até a proibição em participar de eventos esportivos.
Desde 1994, muita coisa mudou no país, já que agora todos os residentes, independentemente da raça, são iguais e livres perante a lei. Ao menos na teoria, já que especialistas defendem que ainda há muita desigualdade no país, que atinge sobretudo a população negra.
As deficiências estruturais do país seguem existindo e atingem especialmente as pessoas mais pobres. É comum que essa população sofra com falta de luz e água. “Toda a rede não foi mantida e agora o colapso está a espalhar-se até para áreas onde não era a norma. Isso afeta principalmente as pessoas pobres”, afirmou Simpson.
Em 2022, o Banco Mundial classificou a África do Sul como o país mais desigual do mundo. Alguns pesquisadores consideram que este é um país sem classe média – o que significa que há uma distância muito grande entre os mais ricos e os mais pobres. Cerca de 10% da população controla 80% da riqueza, afirma um relatório do Banco Mundial.
Outro dado importante é o nível de desemprego, que atinge 33% e é um das maiores do mundo. Ao mesmo tempo, entre os brancos, 7,5% da população está desempregada. Soma-se a isso o dado de que os negros representam 80% da população empregável, enquanto os brancos ocupam 62,9% dos cargos de gestão nas empresas.
Ou seja, 30 anos depois, a África do Sul segue enfrentando grandes desafios. Thapelo Mohapi, secretário-geral do maior movimento sul-africano de moradores de favelas, explica: "a classe trabalhadora está sendo explorada, e as pessoas recebem uma miséria para trabalhar longas horas, e os serviços não são prestados aos pobres e marginalizados neste país. Essa é uma situação que acontece no mundo inteiro. Estamos vendo o capitalismo chegar até nós, e se nós não enfrentarmos o capitalismo, continuaremos a ser explorados", afirma em depoimento ao Brasil de Fato.